Ericler “Keka” Oliveira Gutierrez é a coordenadora de acessibilidade para surdos do Festival Taguatinga de Cinema. O evento será todo interpretado, não apenas as mostras competitivas. A programação para o público infantil terá a participação dos alunos surdos da Escola Bilíngue Libras/ Português escrito de Taguatinga. Essa é uma parceria importante para formação de público surdo. Na entrevista a seguir, Keka comenta o assunto.
No caso de um festival de cinema, como é feita a preparação do profissional que fará a tradução em libras? É necessário assistir os filmes antes? Ou a tradução é feita na hora?
Os intérpretes lidam com diferentes temáticas tornando indispensável a preparação. Para uma boa atuação, o intérprete precisa ver os filmes, fazer uma pesquisa de sinais que porventura ele desconheça. Recorrer aos dicionários em Libras impressos ou digitais ajuda o intérprete a melhorar sua performance. É importante conhecer o contexto dos textos audiovisuais. Ao ver os filmes com antecedência, o intérprete pode identificar palavras que precisarão de uma interpretação descritiva, como um sistema de classificação, por falta de um sinal específico para traduzi-las. Dependendo da velocidade dos diálogos ou depoimentos, é preciso fazer escolhas do que seja mais importante interpretar, sem prejudicar a compreensão da mensagem fílmica. As narrativas de um filme, ficção ou documentário, são carregadas de emoção. O intérprete precisa repassar ao público surdo todas as nuances do filme para que o ele compreenda e se emocione também.
Quais os principais desafios dessa tarefa?
Ser fiel ao texto audiovisual, fazer escolhas lexicais em um curto espaço de tempo, seguir a velocidade dos diálogos.
Da sua experiência, qual é o feedback que você tem do público surdo depois de eles acompanharem um filme (ou mesmo um festival de cinema) com esse tipo de tradução?
Os surdos têm participado dos festivais que disponibilizam acessibilidade. O feedback é bastante positivo, pois até pouco tempo, os surdos não tinham acesso a nenhuma produção brasileira pela falta de legenda. Nos festivais eles podem conhecer o cinema feito no Brasil. A resposta disso é que alguns têm ido mais adiante, buscando conhecer a linguagem audiovisual, se interessando em produzir suas próprias narrativas audiovisuais. Esse é o caminho que a acessibilidade abre para as minorias. Ao participarem como público, eles acabam tendo o desejo de se expressar por meio dessa arte. Acredito que esse é o feedback principal que a comunidade surda tem mostrado a partir das interpretações nos festivais.
O número de eventos que disponibilizam esse tipo de tradução têm aumentado nos últimos anos? Por que acredita que isso tem acontecido?
Tem aumentado sim. Essa conquista é resultado de uma luta grande pela aprovação de Libras como língua de comunicação dos surdos. Acompanhei esse movimento e tive a alegria de presenciar a provação da lei da Libras no Congresso Nacional, em 2002. A lei da acessibilidade também é responsável pela maior participação dos surdos em eventos. Essas duas leis foram regulamentadas pelo decreto 5626/2005, que permitiu aos surdos lutarem pela acessibilidade de comunicação com uma arma mais potente, a legislação. A partir daí, a acessibilidade de comunicação tornou-se realidade. Com isso, a presença de intérpretes de Libras começou a ser solicitada em variados eventos. Na cultura, os editais exigem a acessibilidade trazendo para os festivais a responsabilidade de incluir esse novo público.
Qual o caminho para uma pessoa se tornar uma tradutora de libras? Como você avalia o número de pessoas procurando essa atividade? O que poderia melhorar nesse sentido?
Atualmente existe um curso de graduação chamado Letras/Libras, um bacharelado que faz parte dos Institutos de Letras de universidades públicas. Além disso, as pessoas que desejarem fazer cursos livres podem procurar algumas instituições que atuam em capacitação e formação como a APADA- Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos e a FENEIS, Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. O Ministério da Educação promove um exame de proficiência para conferir aos intérpretes o certificado para a atuação. Para exercer essa profissão o candidato deve aprender a Libras e isso leva alguns anos. O tempo de dedicação assemelha-se ao de outras línguas. A diferença é que a Libras tem modalidade espaço-visual e não oral-auditiva. Após a aquisição da Libras, os futuros intérpretes passam por cursos de formação específica. O número de intérpretes tem crescido em função da demanda.
Para melhorar, faz-se necessário criar concursos públicos específicos para intérpretes de Libras, pois na maioria dos casos esse serviço tem sido feito por meio de prestação de serviço terceirizado. As instituições públicas e privadas devem ter em seus quadros funcionais esse profissional para ajudar essas instituições a se tornarem inclusivas de fato.
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