#FTC21anos | A lente de William Alves, idealizador do mais antigo festival de cinema da periferia de Brasília

Estamos em 2019 e o Festival Taguatinga de Cinema, que teve sua primeira edição como MostraTaguatinga de Cinema em 1998, completa 21 anos de existência.

Até aqui foram 13 edições e muitos filmes, debates, mostras, encontros, oficinas, lançamento de livros, de cineclubes, exposições fotográficas e mais “uma ruma de coisas”, como popularmente costumamos falar em Taguatinga. O nosso festival é uma usina de acontecimentos vibrantes, que faz crescer a paixão pelo cinema.

Uma das motivações da nossa ação foi construir um espaço alternativo de exibição e discussão de filmes.

No início, exibíamos somente filmes em 16mm. Isso foi no fim dos anos 90, quando o Brasil estava em processo de redemocratização, numa cidade periférica da capital do país.

Em 2012, deixamos de ser uma Mostra de Filmes e nos transformamos no Festival Taguatinga de Cinema. Os filmes exibidos, antes produzidos em película, passaram a ser produzidos nos mais diversos formatos e equipamentos de vídeo. O número de produções participantes do festival triplicou.

Foi aí que entendemos que a democratização da produção audiovisual no Brasil era uma realidade, com grande número de vídeos e filmes sendo produzidos dentro das aldeias, nas favelas, nas periferias e comunidades quilombolas ou no âmbito de movimentos como o MST, o MTST e o MPL, passando a ser visto por uma massa de espectadores ávidos por essa nova estética cultural e seus discursos.

Tínhamos a impressão de que participávamos de uma revolução audiovisual baseada na troca direta, no conhecimento livre propiciado pela internet, e isso surgiu como um alento em meio a um cenário caótico e desolador.

O acesso ao conhecimento, à cultura e à informação, que é a base para o desenvolvimento de qualquer sociedade, era agora uma realidade “sem limites”. Tínhamos, e ainda temos, as ferramentas de produção de imagens e a possibilidade de levá-las a um número cada vez maior de pessoas.

Nossa ação é politica, e o audiovisual, um instrumento, uma ferramenta, uma chave capaz de abrir muitas portas.

Em 2013, o Festival Taguatinga ofereceu ao grande público a Mostra de Vídeo-Ativismo, com filmes que registraram, de forma documental e poética, os levantes populares que ocorreram pelo Brasil naquele ano.

A partir desses filmes, pudemos perceber o grande poder gerador da ação política de indivíduos instrumentalizados com câmeras e celulares. Indivíduos plurais com grande capacidade criativa e transformadora, autores de filmes de protesto contra a violência estatal, política, econômica e cultural imposta naquele momento – uma violência contínua, instituída pelo Estado “democrático”.

Agora, há mais dúvidas e indignação do que certezas, pois o desfecho da ação executada contra o povo naquele 2013 produziu catástrofes políticas em cadeia: primeiro a deposição da presidenta Dilma Rousseff, com o Partido dos Trabalhadores sendo acusado de ser o responsável por todas as mazelas politicas, econômicas e financeiras do Brasil e com a concentração de poder em torno do capital; depois, a prisão do ex-presidente Lula, acusado por corrupção, num julgamento político e controverso; por último, a subida ao poder de um homem mediano, aquele a quem falta decoro e dignidade para ser presidente do Brasil, aquele que corrói nossos direitos e nos deixa a todos sem norte e mortos de vergonha perante o mundo.  

Parafraseando o poeta Paulo Kauim, “o futuro já chegou, já passou e o Brasil ficou aqui”.

No entanto, se podemos pensar que tudo na vida é transitório – tem começo, meio e fim -, também podemos levar em consideração que o ciclo só se completa quando ocorre o (re)nascimento. Sob essa perspectiva, o (re)nascer é o que permite o novo, a novidade, e é dessa condição que surge a ação política.

Assim, aspiramos que a capacidade de fazer surgir o espaço para a liberdade, para o discurso e a ação, possa revelar quem somos, gerar poder e nos fazer viver uma política digna, para além do discurso utilitarista, e dessa forma limitar a ocorrência da violência entre todos.

É dentro desse contexto político e social que o Festival Taguatinga de Cinema se faz caixa de ressonância para um Brasil que vibra na tela do cinema, espelho de histórias e experiências que revelam a nossa força criativa. Um Brasil múltiplo, transbordante de alma, cheio de axé.

William Alves

Idealizador e Diretor do Festival Taguatinga de Cinema