O Jirau da Hydro | Cinema de Guerrilha e Meio Ambiente

O diretor paraense de cinema Márcio Crux participa da Mostra Convida 2020 com o seu curta-metragem O Jirau da Hydro, um dos vencedores do Festival Taguatinga de Cinema 2019. Neste artigo que publicamos em homenagem ao Dia Mundial do Meio Ambiente (05/06), ele descreve o processo urgente de produção do filme, o impulso da equipe para realizá-lo e nos conta a sua experiência pessoal durante a 14a. edição do FesTaguá. 


“Não creio no cinema pré-concebido. Não creio no cinema para a posteridade. A natureza social do cinema demanda uma maior responsabilidade por parte do cineasta. É urgência do Terceiro Mundo. Essa impaciência criadora do artista produzirá a arte dessa época, a arte da vida de dois terços da população mundial”.  Santiago Alvarez, cineasta cubano

O Jirau da Hydro é um documentário de curta-metragem produzido na cidade de Barcarena, no estado do Pará durante protestos da comunidade local contra os vazamentos de rejeitos de bauxita na região pela mineradora dinamarquesa Hydro Alunorte. Quando nós da equipe tomamos conhecimento da realização do protesto, além da urgência social e política de participar da manifestação, tanto em função das nossas convicções sociais e políticas e de solidariedade à causa, também percebemos ali a potência fílmica e a necessidade de documentar o protesto. 

Planta da mineradora dinamarquesa Hydro Alunorte em Barcarena (PA)

O filme foi produzido em praticamente cinco dias, sendo dois de pré-produção, um de gravação e mais três dias de pós-produção, duas câmeras e um som direto, tudo no calor do momento. Não poderíamos esperar para lançar um filme depois de um mês ou pensar em submetê-lo a burocracia de editais para transformá-lo em algo para o qual ele não foi concebido. Não existiu um roteiro do que íamos fazer. A ideia era conversar, conhecer as pessoas, suas angústias, registrar o que fosse possível e voltar para a ilha de edição e nos debruçarmos sobre o material que tínhamos coletado. Aí, sim, daríamos início a uma visão mais poética, mas, ao mesmo tempo, crua, dos acontecimentos. Em O Jirau da Hydro, o assunto principal é a revolta daquelas pessoas que residem em Barcarena e sofrem há muito tempo em uma luta completamente desigual. E uma revolta não se planeja, ela urge. 

E é justamente nessa urgência que está a dinâmica do filme: ele é curto, direto naquilo que se propõe, tem lado e posição política. É uma responsabilidade social que ele seja assim, porque a luta daquelas pessoas não é para ser romantizada em longos planos contemplativos ou demonstrar interesse pelo lado dos poderosos que sempre estão na mídia declarando sua inocência. A beleza ali tem cor de barro, barro com bauxita. É um Cinema de Guerrilha e Cinema Urgente feito na Amazônia brasileira.

Em 2019, depois de mais de um ano de produção, é que decidimos inscrevê-lo em festivais. E assim que fui para Taguatinga, com o intuito de participar de um festival de cinema, conhecer pessoas novas e suas formas de fazer audiovisual nos seus locais de atuação. Chego lá e encontro uma produção acolhedora, com pessoas maravilhosas, prestativas e atenciosas e encontro realizadores e militantes da cultura que transformaram essa experiência na capital em algo que guardarei para sempre. Todos ali retratavam em seus filmes algum dilema que precisava ser contornado, seja pessoal ou social, e eles encontraram no audiovisual e no cinema essa válvula para se expressar. Mas além disso, encontrei pessoas afetuosas e carinhosas, dispostas a ouvir e ajudar, pessoas que estão neste mesmo barco, à esquerda de tudo o que vem acontecendo no país. Artistas de alto valor que usam o audiovisual, o teatro, a poesia e o corpo para se manifestar em um mundo tão perverso e hostil.

O diretor Márcio Crux, premiado por O Jirau da Hydro, na 14a. edição do FesTaguá

O Jirau da Hydro voltou de Taguatinga premiado pelo júri do festival, e a equipe do filme ficou feliz demais. Mas, particularmente, mesmo que o prêmio não viesse – pois haviam filmes incríveis ali e não seria injustiça nenhuma que qualquer um ganhasse- , eu voltaria realizado por toda a troca que ocorreu durante o Festival. A urgência em fazer um filme ou a inquietação para produzir e resistir com um festival são demandas extremamente necessárias nesses tempos cruéis em que vivermos. Que nunca se apaguem as chamas da inquietude e da urgência. Daqui de Belém até Brasília, um grande salve!

Assista aqui a O Jirau da Hydro: https://festivaltaguatinga.com.br/festivalTagua/15/assista/mostra/paralela/filme/40/1399