Marília Abreu é uma mulher de referência na cena artística local. É atriz, palhaça, gestora e produtora cultural, militante, professora, mãe e empreendedora social. Nascida e crescida no Plano Piloto, há anos escolheu a cidade de Samambaia para viver, fazer arte e ser mãe. Lá, co-criou o Imaginário Cultural, espaço de florescimento e resistência, onde são desenvolvidas diversas atividades na quadra 103.
Em conjunto a outras dezenas de agentes culturais, Marília participa ativamente das ações em prol da construção do Complexo Cultural de Samambaia e da produção do Sarau Complexo, realizado mensalmente em vários pontos da cidade, agregando diferentes manifestações artísticas que florescem por lá.
Como produtora, recentemente executou o Brasília Junina, um mega evento que impulsionou o trabalho do Imaginário e inovou no âmbito de Competições de Quadrilhas Juninas, priorizando a visão do público e atendendo aos quadrilheiros de forma mais afetiva.
Em meio a todas essas frentes, Marília Abreu ainda encontra tempo para atuar ao lado de sua filha, Maria Clara, na Cia Roupa de Ensaio. Em 2018, lançou o espetáculo Dona Dinha, obra inspirada nas mulheres do interior de Goiás – religiosas, benzedeiras, mães, avós e bisavós. A sabedoria feminina foi representada através de músicas, histórias, causos e lendas goianas. Em 2017, atuou também no projeto de pesquisa A Chegada do Mamulengo no Reino do Cavalo Marinho, criado pelo amigo Chico Simões.
Confira, na entrevista abaixo, um pouco do fantástico mundo dessa mulher cheia de histórias, que cria e recria o movimento em nós com afetos e criatividade!
Em 2001, conheci meu ex-companheiro, que também era de Samambaia, e fizemos um “contrato” de experimentar morar aqui e no Plano. Tanto eu quanto ele tínhamos uma atuação de comunidade. Antes mesmo de chegar aqui eu já comecei a me engajar. Em 2008, nesse teste, acabei decidindo ficar com o desejo de constituir um lugar… A Via Sacra era um projeto muito apaixonante que participei e dele nasceram muitos artistas, principalmente das artes cênicas… Viemos com “mala, cuia, menino, papagaio, boneco, empanada e figurino.” Na verdade, não sei se foi a cidade que me escolheu ou eu que escolhi. Sinto que foi o movimento da vida mesmo. Eu vim inteira, queria morar aqui, trabalhar aqui e ver minha filha estudando aqui.
Festival: Hoje, você coordena o espaço Imaginário Cultural, que é uma referência para o movimento cultural de Samambaia e do Distrito Federal. Como tudo começou?
Em 2011, a gente inaugurou o Imaginário. Sempre tivemos vontade de ter um espaço para ensaio e em Samambaia não existia nenhum equipamento público de cultura… Tínhamos vontade de realizar isso para ajudar a movimentar o cenário cultural, apesar de Samambaia já ter um movimento efervescente em diversas linguagens. Pensávamos em formação de público, tudo com foco no teatro. Não tínhamos a dimensão do que o Imaginário seria hoje. Empreendemos de forma intuitiva, pensando em ofertar aulas para a comunidade, formar público e conectar os colegas de profissão para trazer espetáculos para a cidade. Intuitivamente, criamos uma rede através dos contatos com artistas e produtores que já conhecíamos e levamos novos espetáculos para Samambaia.
“Eu me coloco a serviço das pessoas, dos artistas, dos coletivos, dos estudantes e de quem quer que seja para esse encantamento com a arte transformadora.”
Festival: Como é para você gerenciar tantos fazeres enquanto mulher?
Eu tenho uma vida quádrupla, quíntupla… Hoje, sou atriz, gestora de um espaço cultural, professora, produtora cultural, militante cultural e faço parte do Conselho de Cultura. Como produtora, eu me sinto na obrigação de dar suporte aqueles que me procuram para tirar dúvidas sobre projetos. Na vida pessoal, também sinto essas múltiplas funções, porque sou mãe e, como muitas, assumo uma casa e uma família. É tanta coisa! Mas eu tenho isso na cabeça: “Não sou só eu.” Acho que nunca acontece um equilíbrio. Muitas vezes, deixo coisas para depois para poder terminar um projeto ou fazer uma reunião e a família sempre sofre com isso, tanto a gente como a família. A gente se cobra mas deixa rolar.. É sempre isso: me cobro, mas deixo rolar.
Festival: Qual a sua visão para o futuro?
A gente tem que empregar sentido no agora sem esquecer que existe um pra frente. O meu foco não tá lá na frente, ele tá aqui. Hoje, eu sinto falta de estar atuando mais como atriz. Uma das coisas que eu quero fazer e pretendo cada vez mais fazer é esse meu trabalho com Maria Clara, o espetáculo Dona Dinha.
Festival: Como nasceu o espetáculo?
A Dona Dinha é um desejo meu desde muito tempo, que nasceu de uma provocação do Chico Simões em uma brincadeira lá em Olhos D’água (GO). Eu sempre tive muita facilidade com o sotaque de Goiás, porque minha família tem muito parente em Goiás e uma amiga já tinha dito pra mim: “a sua essência como personagem é goiana”. Aquilo ficou na minha cabeça. Dona Dinha foi nascendo dessas conversas. É um projeto que está pulsante e quero mostrar para o Mundo, eu e minha filha, a Maria Clara. A gente já fez um trabalho juntas de palhaças que também quero retomar, com as personagens Biloca e Tampinha.
Festival: Maria Clara sempre esteve envolvida no seu fazer artístico. Como é a relação de mãe e filha em contraste com companheiras de cena?
A Maria Clara em teatro é muito disciplinada. Eu sempre fui muito disciplinada também, mas hoje em dia eu administrando várias frentes e acabo me indisciplinado um pouco. É muito bom ter elas como companheira de cena, a gente consegue dividir bem os papéis. Eu levo mais bronca do que dou (risos).
Festival: Quais suas referências femininas na cultura e na vida?
A Verônica sempre foi uma pessoa admirável, por toda a realidade de vida e pela conduta dela com tudo. Ela tem uma bondade absoluta, uma generosidade absoluta, é uma das pessoas mais admiráveis que conheci. Minha mãe, obviamente, também é. Minha mãe nunca me tolheu, nunca limitou minha atuação, sempre me incentivou e nunca roubou minha identidade. É uma pessoa admirável pela sua fortaleza, honestidade, pela sua bravura. Ela separou do meu pai quando eu tinha um ano, quer dizer, uma mulher separada naquele período, nos anos 70, criando cinco filhos sozinha, era uma mulher sensacional. Admiro muita gente na cultura. Tem a Narcha, minha amiga, colega de faculdade e atriz, uma pessoa de muita criatividade. Outra pessoa que inspira muito é a mãe do Miguel, meu-ex companheiro, a Dona Luza, que com toda simplicidade e condição de vida é de uma sabedoria muito profunda… E as mulheres da minha família de maneira geral. Falo isso na Dona Dinha, inclusive.
Festival: Como foi a experiência com o Brasília Junina?
O Brasília Junina, tanto pra mim quanto para o Imaginário, foi um salto absurdo. Fizemos a gestão de um recurso que nunca tivemos nas mãos e executamos um projeto grandioso em várias cidades. Pensamos muito no evento para o público e os quadrilheiros, levamos muita inovação, principalmente na arena, em vez de palco. Focamos muito sobre para quem é feito o evento: uma praça de alimentação mais aconchegante e com apresentações. Buscamos levar o acolhimento que o Imaginário realiza. No fim, recebemos muitos elogios e agradecimentos. Conseguir realizar um projeto desse de uma forma tranquila e com a responsabilidade que foi feita é a sensação de assinar o atestado de capacidade para enfrentar qualquer coisa que vier.
Festival: Este ano, o tema do festival Taguatinga de Cinema é “O movimento em nós”. Como você vê o florescer do imaginário nesse cenário?
Nesse momento, estamos na expectativa do que virá. Tememos pelo cenário político cercado de incertezas, mas seguimos firmes. É claro que onde há ação há florescência. Se existe ação, o florescer é certo. Mesmo que seja mais tímido, não deixa de atingir os objetivos. Dependendo do que virá, precisamos estar cada vez mais unidos e conectados com propósitos comuns entre artistas. Na arte, só pela coletividade se vence.
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