A porção mulher do FesTaguá

Por Janaína André* 

Nosso microcosmo é feminino, e não é de hoje. A participação da mulher na realização do Festival Taguatinga de Cinema é majoritária desde 2017, quando representávamos 55% dos profissionais contratados. Em 2018, de um total de 52 profissionais, 32 eram mulheres. Em 2019, com a equipe mais enxuta, temos 25 mulheres e 19 homens. 

Nós mulheres ocupamos quase todos os lugares de poder do festival. Estamos na curadoria, na coordenação do Taguá Mapi, no júri, à frente dos painéis, ministrando oficinas e coordenando debates. No palco, a atriz  e poeta taguatinguense Marina Mara comanda há anos as quatro noites de festival, assessorada nos bastidores por uma equipe de produção com maioria feminina. Nas telas, uma quantidade respeitável de diretoras, tanto na mostra competitiva quanto naquelas dedicadas exclusivamente ao cinema feminino. 

Equipe feminina da 13a. edição do Festival Taguatinga de Cinema.

A atenção à diversidade de gênero foi algo que se deu naturalmente, de forma espontânea, segundo o diretor William Alves. “Acredito que a própria natureza do festival, com as atividades que realiza e os filmes que seleciona para as mostras competitiva e paralela, de modo atento às forças que brotam na periferia do país, atraiu para si, como um campo magnético, grandes profissionais mulheres com ideais emancipatórios e despertou nelas o desejo de se aproximar e tornarem-se colaboradoras permanentes.”

A produtora audiovisual Adriana Gomes, curadora do festival desde a 11a. edição, preside agora a nossa Comissão Permanente de Curadoria. “O festival é para mim um espaço de afirmação, não apenas pessoal, mas também coletivo. Lugar onde podemos ter uma leitura da realidade a partir do recorte cinematográfico selecionado e refletir sobre as possibilidades de auto-organização e transformação das questões urgentes que estamos vivenciando”, afirma Adriana.

Adriana Gomes é curadora do Festival Taguatinga de Cinema desde 2016.

A valorização do trabalho das mulheres, em que pese o modo espontâneo como se deram as aproximações entre elas e o festival, assumiu para nós o caráter de militância. O marco é a edição de 2017, que trouxe como tema a “Nossa Porção Mulher”, evidenciando a nossa ênfase na recusa de toda forma de violência, opressão e discriminação contra a mulher, repensando o seu lugar na sociedade e mirando a sua emancipação. 

Em 2018, realizamos a Mostra WIFT- Brasil (Women in Film and Television) com curtas-metragens de mulheres brasileiras, seguida de debate com as diretoras. Neste ano, teremos a Mostra MAV-DF, com filmes de diretoras brasilienses que integram o Coletivo Mulheres do Audiovisual do DF. Além disso, as sessões da mostra competitiva serão abertas com filmes que denunciam a violência contra a mulher.

Sabemos que o cinema é uma atividade de caráter excludente. Ainda estamos longe de uma equidade de gênero no meio cinematográfico brasileiro. A luta das mulheres por conquistas de direitos e mais espaços profissionais em diferentes áreas do cinema continua necessária e ativa, e com um dado preocupante: a quase total ausência de mulheres negras no setor. Por isso, buscamos contribuir de maneira consciente para a promoção da paridade de gênero e de raça. 

Como coordenadora geral do FestTaguá, entendo que precisamos abarcar olhares plurais, além de desmistificar e desnaturalizar a figura do homem branco como sujeito universal. Isso se dá pelo reconhecimento de competências e habilidades das mulheres, com o pagamento de salários iguais e a atenção permanente ao machismo estrutural que rege as relações. 

Em 2019, com a realização da nossa 14a. edição, reafirmamos o nosso compromisso com a Cultura da Paz, com a democracia e o despertar de uma consciência integradora, que reconheça e valorize a mulher, sua sabedoria, sua capacidade de relacionar-se de forma amorosa, cuidadosa e solidária, seu sonho de construção de um mundo melhor. 

*Janaína André é coordenadora geral do Festival Taguatinga de Cinema