Audiovisual nas escolas: quando o vídeo vira lugar de fala e oportunidades

João Vitor Pinheiro da Conceição tem 17 anos, é morador do Guará (DF) e estuda Cinema. É universitário com bolsa 100% financiada pela instituição onde estuda, oportunidade que veio através de prêmio concedido pelo 3º Festival de Filmes Curta-Metragem das Escolas Públicas (2017), voltado às escolas de ensino médio, educação profissional e estudantes do programa Educação de Jovens e Adultos (EJA). João ganhou a premiação pelo curta de nome 100% Ocupado, pelo qual foi eleito como Melhor Diretor. Em 2016, através do curta Paranoia, também foi premiado como Melhor Ator.

A 4ª edição do Festival de Filmes Curta-Metragem das Escolas Públicas de Brasília – Fest Curtas acontecerá em 2018 e movimentará, novamente, a cena audiovisual em escolas públicas no DF. Com o objetivo de revelar, reconhecer e afirmar as identidades culturais de estudantes, proporcionando a troca de experiências entre jovens de diferentes cidades, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal aposta mais uma vez nesse processo, que tem mostrado importantes resultados pedagógicos.

As inscrições para o Festival abrem no dia 10 de julho e seguem até o dia 10 de agosto, onde podem participar estudantes realizadores que estejam matriculados na rede pública, a partir das séries finais do ensino fundamental. A mostra do 4ª Fest Curtas será realizada no Cine Brasília, no dias 17 e 18 setembro, dentro da 51ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Difundir a linguagem audiovisual na educação tem mostrado o quanto essa experiência contribui na formação das pessoas em sala de aula. O protagonismo dos estudantes nas experimentações de produção de vídeos manifesta novos talentos como João Vitor. Para saber mais a fundo sobre essa experiência, conversamos com o jovem cineasta, abordando desde a sua participação aos reflexos educativos na vida que segue. Confira!

João Vitor na Premiação do Fest Escolas


 
Festival: João, como iniciou sua relação com o audiovisual?

Começou no ensino médio, através de um projeto interno da escola, que era promovido pelo meu antigo professor de Química. O nome dele é Peterson Paim. Nesse festival, tínhamos que fazer curtas-metragens relacionados à Química. Foi a partir daí que começou minha experiência com audiovisual, em 2015. Dessa experiência, eu produzi o curta Os 2 Candangos, um filme terrível em qualidade técnica, mas que passou no 1º Festival das Escolas Públicas de Brasília.
 
 
Festival: Por que decidiu participar?

A primeira vez que eu decidi participar foi em 2015, com o curta Os dois candangos. Eu participei por influência do meu professor de Química que incentivou a inscrevê-lo. Na verdade, ele incentivou todos os alunos a inscreverem filmes, que haviam sido produzidos na escola. Por sorte, o meu acabou passando lá no festival.

Nos anos seguintes, produzi outros três filmes e os inscrevi no Festival. Os três foram aprovados e exibidos. Em 2016, ganhei como Melhor Ator no filme Paranoia. No ano seguinte, 2017, resolvi focar em outro filme, o 100% Ocupado, que foi aprovado no Festival. É um documentário que relata as ocupações que ocorreram na minha escola. Com ele, eu ganhei a Melhor Direção.
 
 
Festival: Qual foi o papel dos professores nesses processos com o audiovisual na escola?

O Professor Paulo Firmino era meu professor de Matemática. Tínhamos por exigência do edital que, obrigatoriamente, ter um professor-orientador. Este professor não poderia estar diretamente ligado ao filme, mas poderia nos oferecer dias e incentivar nossa participação. Ele incentivava muito, tanto quanto o professor Peterson Paim.

No meu caso, especificamente, não seria tão importante o incentivo dos professores, pois já estava bem aflorada a ideia de querer fazer filmes, produzir curta-metragem. Mas tive relatos de outros estudantes que só realizaram os filmes por terem sido incentivados pelo professor. No meu caso, eu já tinha despertado esse sentimento.
 


 
 
Festival: Conte-nos mais sobre o seu filme 100% Ocupado, porque você escolheu esse tema?

Um dos filmes que eu escrevi para o Festival foi o 100% Ocupado, que eu ganhei de Melhor Direção. Este filme, aliás, não era para ser um filme. Quando houve a ocupação na minha escola, em 2016, eu me ofereci para registrar tudo e mostrar que as coisas que estavam acontecendo lá não estavam fugindo da lei, e que não era nada daquilo colocado pela grande mídia. Estava registrando realmente o que estava acontecendo nesse protesto dos estudantes.

Eu tinha todas essas mídias gravadas e, no meio da ocupação, eu pensei: posso transformar todas essas mídias em um filme. Filmei todo o processo, como estava a ocupação, as conversas dos alunos e o processo de desocupação. Cerca de oito meses depois, filmei todas as pessoas que estiveram à frente daquele protesto e editei. É um filme que não tem um posicionamento político, ele é apenas um relato do que aconteceu. Tem, claro, alguns alunos que se posicionam durante o filme, tanto contra quanto a favor, mas mostra a realidade, o que os estudantes estavam pensando no momento do protesto.

Outro filme que eu fui premiado, em 2016, como Melhor Ator, foi o Paranoia. É um curta e não sei como descrever o gênero dele. Eu interpreto o personagem principal, que se chama Hell Well, que é como se fosse um garoto esquizofrênico, que tem algumas ideias totalmente deturpadas do mundo, como se ele tivesse ficado solitário e, a partir daí, começa a pensar várias loucuras. Ele (o personagem) diz, por exemplo, que os habitantes da terra são como um colheita e, de repente, vinham pessoas para a colheita e outras para serem germinadas. Enfim, é cheio de loucura o filme.
 
 
Festival: Qual é o seu sentimento enquanto jovem estudante de escola pública por ter participado de uma experiência que valoriza tanto a expressão de vocês?

O audiovisual foi uma forma que levou minha voz para o mundo. É uma forma de eu me expressar para ele. Muitos alunos de escola pública, às vezes pelas condições financeiras, se sentem impedidos de mostrar suas artes e desejos para o mundo. A partir do audiovisual, vi que não me limitaria. Pude fazer um vídeo ou um filme e poderia publicar na internet, ninguém me limitaria ali.
 
 
Festival: Quais foram, na sua opinião, os impactos do Fest Curtas nas Escolas na educação pública?

Eu estudava no Centro Educacional do Guará 1. Esta é uma escola que tem muitos projetos artísticos, que envolvem diversas expressões, como música, cinema, dança, entre outras. Acredito que seja a escola de Brasília que mais forma pessoas que direcionam suas carreiras e trabalhos para o mundo das artes. De lá, saiu um grafiteiro chamado Toys, por exemplo, assim como muita gente saiu para fazer gibi, filmes, cantar, etc. Essa escola incentiva muita gente a praticar da arte.

Quando a gente escreveu e passou os primeiros filmes, os alunos passaram a se interessar mais pelos projetos que já tinham na escola e a dedicar-se a eles. E essa questão de ganhar o festival mudou bastante a minha vida. Junto com o prêmio de Melhor Diretor, pelo 100% Ocupado, veio uma bolsa de estudos também. Junto com ele ganhei uma bolsa de 100% para estudar Cinema numa faculdade particular. Isso mudou toda a minha vida! Hoje, eu estudo graças a esse processo do audiovisual.
 

Por Daniela Rueda – produtora cultural
e Webert da Cruz – jornalista no Estúdio Gunga