WIFT BRASIL – ENTREVISTA COM A CO-FUNDADORA NÁGILA GUIMARÃES

Em 2017, o Festival Taguatinga de Cinema realizou uma edição inteira voltada ao tema “Nossa porção mulher”, levantando o debate sobre a presença feminina no audiovisual. Um ano depois, como o tema “O movimento em nós”, a pauta de gênero continua a reverberar como um movimento que não para.

Em 2018, o Festaguá firma parceria com a WIFT Brasil – Women In Film & Television, uma rede internacional que oferece suporte profissional, oportunidades de desenvolvimento, networking e reconhecimento para mulheres que trabalham nas mais diversas áreas do audiovisual, conectando mais de 13 mil associadas, em 18 países dos 5 continentes.

No Brasil desde 2013, a rede segue objetivando o protagonismo da mulher na TV, no Cinema e em novas mídias através de vários projetos. Para isso, convoca novas mulheres da área a se associarem, integrando um banco de dados mundial e podendo participar de eventos de networking e do festival internacional de curta-metragem que exibe apenas filmes de membras da WIFT pelo mundo.


MOSTRA PARALELA

Em agosto, durante a programação da Mostra Competitiva, realizaremos a Mostra Paralela WIFT, onde a curadoria do Festival Taguatinga de Cinema irá selecionar curtas-metragens produzidos por mulheres brasileiras associadas à WIFT Brasil. Acesse AQUI e saiba mais.


ENTREVISTA

Nágila Guimarães

Para firmar nossa parceria, entrevistamos a co-fundadora da WIFT Brasil, a produtora Nágila Guimarães, que conta um pouco mais sobre o histórico da rede no Brasil e no mundo.

Empreendedora cultural, desde 2001, Nágila atua na produção de festivais como Sundance Film Festival (2002), Miami International Film Festival (2003-2008) e Abu Dhabi Film Festival (2008-2012). Cursou Economia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Comércio Exterior na UCLA (Los Angeles) e Produção de Vídeo e Distribuição na New School For Social Research (Nova Iorque). Foi membra do Conselho Consultivo do Geena Davis Institute para a realização do simpósio Gender in Media no Brasil (2016). É também curadora e produtora de importantes mostras, como a 7ª Mostra Mundo Árabe de Cinema, Mostra de Cinema Árabe e Cinema Georgiano: Um Século de Filmes, além da Mostra Cinema Brasileiro, no Peru.


Festival: De forma breve, como surgiu a WIFT e como se constrói a atuação da rede diante das mudanças de paradigma relacionadas ao feminino e aos feminismos que vivemos hoje?

A rede Women In Film & Television surgiu em Los Angeles, em 1973. Foi uma iniciativa da jornalista Tichi Wilkerson Kassel (ex-editora da revista Hollywood Reporter), que, ao obter a informação que apenas 2% dos roteiros de TV eram escritos por mulheres, decidiu pensar alternativas para apoiar o desenvolvimento profissional das realizadoras. Logo, a organização cresceu rapidamente nos EUA e se espalhou pelo mundo.

Desde 2015, mulheres em nível global iniciaram um movimento no mercado audiovisual. Este movimento tem demonstrado que a luta pela paridade de gênero não é suficiente. Necessitamos de uma conscientização do desequilíbrio sistêmico, que exige mudança cultural e de políticas em toda a estrutura de poder do mercado audiovisual. Através de ações de mobilização, debates e networking, criamos oportunidades de engajamento na luta pela conquista de paridade e inclusão
a nível nacional e internacional.


Festival: A WIFT chegou no Brasil em 2013 e a sede, no Rio de Janeiro, é a primeira da América do Sul. Porque a escolha do Brasil? Já existem sedes ou atuações em outros países hermanos?

As nossas hermanas são a WIFT-México e WIFT-República Dominicana. A WIFT Brasil surgiu meio que por acaso. Eu estava morando nos Emirados Árabes e trabalhando para o Festival de Cinema, quando conheci Rashmi Lamba, produtora indiana. Naquele momento, ela estava envolvida com a criação da WIFT Dubai e começamos uma conversa sobre a rede. Rashmi comentou que ainda não existia nenhuma WIFT na América do Sul e sugeriu que eu levasse esta iniciativa para o Brasil. Eu me interessei muito pela rede, mas hesitei sobre a ideia, porque estava morando fora do Brasil, mas decidi aceitar o desafio.

Debate “Como criar condições para cineastas mulheres realizarem seu primeiro filme”, no Festival de Cinema Ponte Nórdica, no Rio de Janeiro (Abril/2016). Com Katja Wik (Suécia), May el-Touhky (Dinamarca), Maristela Bizarro (WIFT Brasil) como mediadora, Debora Ivanov e Vera Egito.

 

Festival: Desde a chegada da WIFT no Brasil, como você percebe o envolvimento das realizadoras brasileiras e quais projetos ou eixos de ação estão se encaminhando com mais força no país? Podemos citar parcerias com realizadoras brasileiras que se apresentam como referência?

Acompanhando um movimento global no mercado do audiovisual, surgiram no Brasil várias organizações e grupos de mulheres refletindo e buscando soluções sobre a falta de representatividade feminina no audiovisual. As mulheres estão ajudando umas às outras e cultivando a próxima geração de realizadoras.

As políticas públicas implementadas pela Ancine são muito importantes para minimizar o gap da desigualdade de gênero, raça, regionalismo e orientação sexual. Outra grande contribuição da agência foi a divulgação do estudo realizado em 2016 sobre a Participação Feminina na Produção Audiovisual Brasileira. Pesquisas são fundamentais para compreender melhor a dimensão de um problema complexo, que não pode ser limitado apenas a buscar paridade de gênero na distribuição dos cargos e remuneração. Existe uma crescente conscientização de que a desigualdade é interseccional entre gênero, etnia, classe social e orientação sexual.

Débora Ivanov representa uma grande referência, pois sempre apoiou e se envolveu, tanto na implementação das políticas públicas da Ancine quanto nas ações da sociedade civil que defendem mais igualdade no mercado audiovisual.


Festival: É visível um aumento da presença de mulheres no mercado audiovisual, mas sabemos que ainda é preciso avançar. Em relação aos próprios filmes, você percebe narrativas predominantes nas produções realizadas por mulheres? Os espaços galgados também são traduzidos nos filmes?

As mulheres estão construindo suas narrativas com maior autonomia, pois uma pequena brecha tem sido aberta. Maior acesso, investimento, pluralidade e liberdade de criação estão refletindo na diversidade das produções e narrativas. Apenas dois exemplos na América Latina: Kbela (de Yasmin Thayna) e Pelo Malo (de Mariana Rondon) exemplificam essa mudança, que tem um longo caminho a percorrer…

Simpósio global sobre gênero na mídia, realizado na sede do Google, em São Paulo (março/2016). Parceria WIFT Brasil, Instituto Geena Davis, Google e outras organizações.


Festival: A WIFT, além da TV e do Cinema, também propõe o suporte às mulheres que trabalham com novas mídias. Como você analisa o uso da internet e suas diversas plataformas no avanço do cenário audiovisual feito por mulheres?

A evolução das tecnologias digitais vem transformando a produção e o acesso ao conteúdo. Isto proporcionou mais uma ferramenta fundamental para ajudar as mulheres a produzirem e exibirem seus trabalhos. Além disto, possibilitou maior conexão entre mulheres, com o surgimento de várias redes de suporte. As novas janelas de exibição e a mudança no perfil do espectador representam uma ruptura profunda na forma como as obras audiovisuais são assistidas, refletindo também na produção. No entanto, continua havendo uma grande concentração dos recursos na distribuição, elo da cadeia responsável pelo investimento na divulgação dos filmes. Não podemos negar que o interesse do grande público, em parte, depende de um esforço de propaganda. Sem dúvida, ainda falta investimento na distribuição de filmes realizados por mulheres.


Festival: A WIFT irá realizar uma mostra paralela dentro da programação do 13º Festival Taguatinga de Cinema, que, em 2017, teve uma edição dedicada totalmente ao tema “Nossa porção mulher”. Essa é a primeira ação da rede em Brasília. Qual a expectativa e propostas?

A WIFT Brasil está buscando desenvolver seu trabalho em todo o país, o que só será possível através de parcerias e ações locais, como já estamos desenvolvendo no Rio de Janeiro e em São Paulo. O Festival de Taguatinga de Cinema será a nossa primeira oportunidade de apresentarmos o trabalho da organização na região, para atrairmos associadas e parcerias. Assim, poderemos ampliar cada vez mais os impactos da nossa atuação.

Por Keyane Dias: jornalista cultural, poeta, terapeuta
e co-criadora da Pareia – Comunicação e Cultura