“Divina Luz” apresenta personagem à frente de seu tempo, comenta William Alves

O filme Divina Luz, de Ricardo Sá, do Espirito Santo, ficou entre os filmes escolhidos pelo Júri Oficial do Festival Taguatinga de Cinema como os mais significativos dessa edição.

É um filme que reconstrói a imagem de uma das mulheres mais ousadas da década de 1950, Dora Vivacqua, mais conhecida como Luz Del Fuego.

Dora foi uma mulher à frente de seu tempo, inspirou, nos anos 70 e 80, artistas que clamavam por mais liberdade. Rita Lee compôs em 70 a música “Luz del Fuego” e em 82, o diretor de cinema David Neves fez um longa-metragem com o mesmo nome.

Dora pregava a liberdade do ser, livre dos preconceitos comuns que ela considerava ser o fruto do atraso nas relações entre as pessoas. Escreveu o livro “A verdade nua” e foi uma das precursoras do nudismo no Brasil, tudo isso num pais onde não era permitido nem o uso de maiô nas praias brasileiras. Como artista, hipnotizava o Brasil dançando, seminua, com duas cobras durante suas apresentações.

O filme de Ricardo Sá, que pode ser considerado um ensaio audiovisual, cumpre bem a função ao reconstituir através de imagens de arquivo, fotos e filmes, parte da história de uma importante personagem brasileira. O gesto do cineasta na utilização de imagens de arquivos, destinados ao esquecimento é um gesto poderoso, pois imagens de arquivos muitas vezes carregam consigo sentidos que necessitam de outros elementos, imagens e temporalidades, textos e depoimentos para se reafirmarem.

Recentemente tive contato com a biografia do historiador francês Jacques Le Goff, e ele dizia “… o documento em muitos trabalhos artísticos, não é, em absoluto, algo objetivo e inocente que expresse uma verdade sobre uma determinada época, mas aquilo que expressa, consciente ou inconsciente, o poder da sociedade do passado sobre a memória e o futuro”.

Na apropriação de imagens, na recomposição de lugares e situações de outros tempos, de um tempo passado, Ricardo Sá produz não apenas a memória histórica e cinematográfica de um lugar e de uma personagem, mas também uma percepção de que essa memória não está congelada no tempo, que a história de “Divina Luz” e toda a violência contra a mulher sobrevivem e seguem firmes nos dias de hoje.

Mesmo assim, com toda a tensão gerada, percebemos que o ideal libertário sobrevive de algum modo, aos acontecimentos que tentam sufocá-lo e transformá-lo em algo menor, sem valor e sem a “Divina Luz”.

Nesse sentido, esse ensaio cinematográfico, esse filme de Ricardo Sá, se destaca pela abordagem do tema proposto pela 12ª edição do Festival Taguatinga de Cinema.

E como muito bem expressou nosso genial MC Guilherme: “Sonhar, sonhar, lutar, lutar, sem jamais desistir.

William Alves
Realizador de filmes, integra a equipe que organiza o Festival Taguatinga de Cinema.